Por
Diego Oliveira e Colaboração de Diego Cardoso
O lugar, um verdadeiro oásis em meio à selva de pedra. A situação:
deterioração a céu aberto. Turistas e
moradores há anos reclamam a calamitosa situação de abandono e de esquecimento de um dos poucos
patrimônios históricos da Grande São Paulo. O lugar, que viu passar por suas
ruas e trilhos toda a riqueza do ciclo do café, hoje vive uma situação de
miséria.
Imagem 10 – Vagão de passageiros abandonado na entrada da Vila (Imagem: Diego
Oliveira)
Desde o ano passado, uma decisão
da Justiça Federal colocaria um fim aos dias de decadência que vive o ambiente
e os bens do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural da Vila de Paranapiacaba.
A prefeitura de Santo André, que administra a vila, está dentre as três
prefeituras do Estado de São Paulo contemplados no PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) Cidades Históricas, que destinará R$ 1 bilhão em recursos
federais para a revitalização de monumentos históricos em todo o Brasil.
Conforme último censo, divulgado
em 2011, Santo André possui 678.486 habitantes. No mesmo ano, o PIB (Produto
Interno Bruto) foi de R$ 16,9 bilhões, sendo o 29º maior do país e o 10º maior
entre as cidades do Estado de São Paulo. O orçamento de 2014 do município foi
de R$ 3,2 bilhões. Mesmo assim, a prefeitura cita a falta de verba como
empecilho para a revitalização de Paranapiacaba.
Pela decisão da justiça, a vila
ferroviária receberia R$ 42,4 milhões do governo federal para restaurar parte
das antigas instalações da São Paulo Railway Company. O dinheiro, proveniente
do PAC - Cidades Históricas seriam destinadas à reforma de 242 imóveis do
distrito histórico. Mas o que ainda se vê, um ano após a decisão judicial, é o
mesmo cenário de abandono visto em anos atrás. Projetos do Iphan (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), da prefeitura, e da MRS Logística,
que administra atualmente as instalações férreas do local ainda não saíram do
papel.
Devido ao valor histórico,
natural, cultural, Paranapiacaba tem potencial para se tornar o maior polo
turístico da Grande São Paulo. Mas fatores burocráticos, a falta de vontade
política e de investimentos privados transforma a antiga vila inglesa e boa parte
da memória ferroviária do país, em um verdadeiro exemplo de descaso público.
Paranapiacaba tem boas histórias
para contar: foi lá que aconteceu, por exemplo, o primeiro jogo de futebol do
Brasil, promovido por Charles Miller, considerado o pai do futebol no Brasil e
que era funcionário da São Paulo Railway Company. Outra curiosidade é que no
lugar está duas das três primeiras locomotivas à vapor do Brasil. O Cine Lyra é
considerado um dos primeiro cinemas do país. Porém, toda essa história se
degrada dia após dia pelas mãos do tempo e pouco é feito para manter vivo esse
passado.
Um
Pedaço da História que Agoniza
No final do século XIX, São Paulo
ganhou a sua 1ª linha férrea. A Estrada de Ferro Santos-Jundiaí não só
transportava pessoas ou a produção cafeeira do interior paulista para o porto
de Santos, mas transportava a maior riqueza de nosso país: a vida e a história
do nosso povo.
Imagem 11 – Vista da antiga estação Alto da Serra, em 1908 (Imagem: Acervo ABPF/SP)
A majestosa visão do futuro das
estradas de ferro, trazida à São Paulo por Irineu Evangelista de Souza, o Barão
de Mauá, colocou fim ao isolamento do planalto paulista, rompendo as
dificuldades de transpor a grande inclinação da Serra do Mar. Isso facilitou o
transporte de mercadorias e o contato cultural e comercial com a Europa por
meio do Porto de Santos. Com o trem, os paulistas ficaram mais próximos da
Europa e pôde respirar os ares do futurismo e do modernismo, se tornando a
vanguarda econômica e cultural do Brasil.
E em 1867 foi construído no alto
da serra do mar, Há 796 metros do nível do mar, um centro operacional, técnico,
administrativo e residencial para os funcionários da ferrovia inglesa que
mantinham o funcionamento da estrada de ferro. Esta região, mais tarde, ficou
conhecida como Paranapiacaba. De origem inglesa e ferroviária, o vilarejo
surgiu como um grande acampamento de trabalhadores. Erguida com casas feitas em
madeira de pinho e alvenaria em estilo inglês, a vila tem ruas cuidadosamente
planejadas, harmonizando a paisagem com clima típico europeu do lugar.
Por aproximadamente 60 anos, a
Estrada de Ferro Santos–Jundiaí foi vital para a expansão da economia.
Calcula-se que, entre 1890 e 1930, tenham passado pelos trilhos da vila, cerca
de 450 milhões de sacas de café de 60 quilos cada. No entanto, com o passar do
tempo, a cafeicultura deixou de ocupar o posto de principal atividade econômica
do país. A industrialização começou a florescer e o Brasil dava os primeiros
passos para diversificar sua economia. Nos anos 1930, após sucessivas crises de
superprodução, ocorreu um grande processo de desvalorização do café. Com isso,
muitas áreas de plantio foram desativadas.
Nesse novo prisma, era inevitável
que Paranapiacaba sentisse os primeiros sinais da decadência: pouco a pouco, a
ferrovia e a própria vila perderam sua relevância. Fatores como as políticas
públicas de favorecimento ao transporte rodoviário também contribuíram para
este processo.
Em 1946, encerrou-se o período de
concessão da SPR e os últimos ingleses foram embora. Máquinas, ferramentas
trilhos, equipamentos e o acervo foram encampados pela União. Um ano depois já
se iniciava uma alternativa ao transporte rodoviário com a inauguração da
primeira pista da Rodovia Anchieta, ligando São Paulo a Santos.
No início da década de 1950, o
governo brasileiro passou a investir fortemente no transporte rodoviário, em
detrimento do ferroviário. Em 1957, a Rede Ferroviária Nacional – RFFSA assumiu
o controle dos equipamentos e da malha ferroviária da antiga SPR. Os anos 1970
foram especialmente significativos para o processo de decadência que a Vila de
Paranapiacaba experimentou com a redução da atividade cafeeira e a criação de
novos sistemas tecnológicos que tornaram o sistema funicular obsoleto. Até que,
em 1982, ele foi totalmente desativado.
Novos
desafios para a preservação de Paranapiacaba
Foi também em 1981 que a antiga
estação foi destruída por um incêndio. Dele, só se salvou o relógio fabricado
pela Johnny Walker Benson, de Londres, que ainda se destaca na nova estação em
meio à neblina, comum nessa região serrana. Muitas residências também foram
demolidas, outras desabaram por conta da falta de manutenção ou sofreram
incêndios a partir daquele ano. Naquela época, a estação ainda recebia o trem
suburbano de passageiros que saía da Estação da Luz, em São Paulo, e passava
por algumas cidades da região do ABC Paulista antes de chegar à vila, sua
última parada.
Com a decadência do sistema
ferroviário e sua privatização nos anos 1990, a malha passou ao controle da MRS
Logística, que hoje opera o sistema apenas para transporte de carga. A viagem
de trem entre São Paulo e Santos, que levava cerca de três horas, obrigou a
população a encarar os atuais congestionamentos das rodovias do sistema
Anchieta-Imigrantes.
As transformações ocorridas na
vila, que conta atualmente com pouco mais de mil habitantes, provocaram debates
sobre a importância da preservação ferroviária, histórica e dos ambientes
naturais ao seu redor.
Em 1987, a vila e seu entorno
foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Em 2000,
tornou-se um dos núcleos da UNESCO da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da
Grande São Paulo. Em 2003, sua área foi tombada pelo patrimônio de Santo André
(município ao qual pertence o distrito de Paranapiacaba desde 2001) e pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão federal ligado ao
Ministério da Cultura. Naquele mesmo ano nascia o Parque Natural Municipal das
Nascentes de Paranapiacaba, uma unidade de conservação voltada à preservação da
rica biodiversidade local, a pesquisas e educação ambiental.
O Ecoturismo, o turismo de
aventura, o circuito cultural e a educação ambiental estão entre as novas
atividades desenvolvidas na vila que envolva diretamente a participação da
população local e criam novos desafios para a preservação de Paranapiacaba.
A beleza da vila já atraiu a
atenção de fotógrafos, escritores e cineastas, que fizeram das paisagens de
Paranapiacaba cenários para suas obras. As estações e maquinários em exposição
são verdadeiras aulas de história da técnica e da engenharia nas obras de arte
da construção ferroviária. Um passeio inesquecível, que faz lembrar a
Inglaterra, no meio da Serra do Mar.
A vila representa um importante
patrimônio cultural da presença inglesa no Brasil, da história das ferrovias e
da cafeicultura. Além disso, a região mantém uma reserva de Mata Atlântica,
sendo também patrimônio ambiental brasileiro.
Desde 2001, se realiza todo mês de
junho o Festival de Inverno que reúne milhares de pessoas em apresentações
culturais, entre elas: orquestras, grupos de jazz, MPB, blues, chorinho, rock,
teatro e festival gastronômico. Porém, o festival só não é mais divulgado
justamente pelos problemas de infraestrutura do lugar.
É quase que inconcebível deixar em
ruínas as marcas de um passado que trouxe muito progresso para toda a nação.
Passado que realmente mais racional do que o presente. O Parque das Nascentes é
um exemplo do trato sustentável no manejo dos recursos hídricos. No local, se
destaca a nascente Olho d'água e a estação de tratamento, que abastece a vila
sem o uso de bombas, evitando assim o desperdício de energia elétrica.
O que há de louvável é a
iniciativa de alguns moradores e organizações locais que doam tempo, trabalho,
dinheiro e dedicação para a manutenção da vila. Vale ressaltar que em todo o
mundo, há somente duas vilas ferroviárias inglesas preservadas: Paranapiacaba e
Thirlmere, nos arredores de Sidney – Austrália.
Tal como Dom Quixote torna-se
evidente a necessidade em lutar contra os "moinhos de vento", mas com
esperança de que esta luta dê certo. Pois não é necessário que a situação
chegue ao fundo do poço, para que se possam realizar os primeiros passos de um
reerguimento transformador na logística, na estrutura, na história e no turismo
de uma região esquecida, e ao mesmo tempo tão próxima da cidade mais rica do
país.
No entanto, é necessário refletir
sobre o significado de preservação histórica e cultural de uma maneira geral.
Não se trata apenas de cultivar a memória de um passado distante. É preciso também
avaliar de que maneira esse rico patrimônio natural e cultural a ser protegido
pode dar vida digna à comunidade local, no presente e no futuro. Que a névoa e
o descaso, tão presentes em presente em Paranapiacaba, não encubram aquilo que
o sol tem a mostrar: um lugar onde a harmonia entre cultura, história e meio
ambiente possam ser mais um orgulho para todas as pessoas.
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